Atestado de polemica e prejuizo



Atestado de polêmica e prejuízo

Publicação: 2015-02-22 00:00:00 | Comentários: 0
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Nadjara Martins

Repórter



Em uma indústria potiguar de grande porte, o ano de 2014 trouxe um prejuízo de R$ 69 milhões. O déficit, porém, não foi causado pelo mau desempenho da economia nacional ou diminuição das vendas, mas pelo o alto índice de absenteísmo – as faltas no trabalho. Foram 64.236 dias de produção perdidos. A causa? Os 29 mil atestados médicos apresentados em apenas um ano. Somando o número de dias dos atestados e  dividindo pela quantidade de funcionários, é como se cada um dos 10 mil colaboradores tivesse conseguido um atestado de três dias de afastamento. Tais perdas, porém, não são exclusividade da indústria potiguar. Em uma empresa de terceirização de mão de obra, com filiais em outras capitais, o índice de absenteísmo só tem crescido. Em 2012, foram 1.355  dias perdidos. Dois anos depois, o número de dias não trabalhados quase dobrou, saltando para 2.993. A perda pelos dias não trabalhados – mas pagos aos funcionários, visto que as faltas são abonadas –  foi de R$ 75 mil em 2014. A empresa conta com 700 funcionários. “É um índice que só cresce e, das nossas filias, é um dos maiores”, avalia a gerente regional da empresa, que pediu para ter a identidade preservada.



A apresentação de atestados médicos por parte de um trabalhador tem sido considerado sinal de alerta para as empresas. Nos últimos anos, a bandeira vermelha é hasteada mais sobre a idoneidade do documento do que   pelos índices de adoecimento dos funcionários. No caso das empresas ouvidas para esta reportagem – que pediram o sigilo de fonte – os números de dias perdidos também refletem a quantidade de falsificações dos atestados médicos. Documentos rasurados, xerocados ou até mesmo carimbados sem autorização dos médicos são comumente recebidos pelas companhias. No caso da empresa de  serviços citada, 15 funcionários foram demitidos nos últimos oito anos por apresentarem documentos comprovadamente falsos.
 
No caso da indústria citada no início deste texto, 58% dos atestados apresentados no ano passado foram assinados por apenas um médico. A suspeita recai, nestes casos, sobre o rigor médico e uma suposta concessão de atestados graciosos – ou seja, sem que o paciente apresente o problema de saúde citado no documento (especificado pelo Código Internacional de Doenças, ou CID) e que justifique o número de dias afastado do trabalho.



Em uma empresa de fast-food da capital, o problema é com o mesmo médico. Foram 28 atestados expedidos pelo médico nos últimos três anos. Na empresa, também já foram constatados casos de falsificação de documento médico por parte dos funcionários e, no ano passado, dois foram condenados pela justiça a pagamento de multa.



Desde 2010, apenas 21 sindicâncias foram abertas pelo Conselho Regional de Medicina para apurar falsidade de atestado médico – crime previsto pelo artigo nº 302 do Código Penal. No mesmo período, apenas um processo ético foi iniciado. De acordo com a corregedoria do CRM, a média de recebimento de denúncias é de cinco por ano. As investigações chegam a durar um ano. O corregedor geral do CRM, Edênio Rêgo, também acredita que há subnotificação dos casos. “Provavelmente sim, visto a dificuldade de conhecimento do empregador e falta de manutenção do medico do trabalho, que poderiam dar subsídios para a  denúncia.Mas acreditamos que por parte da grande maioria dos médicos não exista essa má prática da medicina”. 



Há redes empresariais, como a de um supermercado, que investem na formação de uma equipe de médicos de trabalho e solicitam reavaliação. “Se eu tenho discordância, emito um documento solicitando a opinião do médico assistente sobre o prognóstico. O documento nunca volta”, assevera coordenador da empresa. A empresa possui quase 3 mil funcionários. No ano passado, foram 24.249 dias perdidos.

Investigação emperra em laudos

Publicação: 2015-02-22 00:00:00 | Comentários: 0
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Embora os atestados médicos sejam comumente questionados e apontados como abusivos pelas empresas, poucas vezes as denúncias resultam em punição do ponto de vista penal. Sequer chegam aos entes investigativos. Empresas temem a exposição. Já os médicos que descobrem a falsificação dos documentos registram o boletim de ocorrência, apesar das orientações do Conselho Regional de Medicina.



No ano passado, a Delegacia Especializada em Defraudações (DEFD) instaurou 12 inquéritos  para apurar denúncias sobre falsificações de atestados. Entretanto, a delegacia redistribuiu estes casos, uma vez que a sua função é investigar casos de falsificação que resultem em prejuízos acima de 30 salários mínimos. 



Delegacias



Questionado sobre quantos inquéritos já foram investigados pela delegacia sobre o assunto, o delegado João Bosco Vasconcelos. “Estes casos ficam com as distritais. Aqui temos mais de 2.500 processos e eu acabei de assumir. Ainda estou me inteirando”, justificou.
Se por um lado não há investigação, a coibição do crime é ainda menor. Na sexta-feira (13), a reportagem da TRIBUNA DO NORTE foi até o mercado da quatro em busca de um atestado médico para o carnaval. A abordagem veio de homem de meia idade. “Eu teria como conseguir um atestado se você tivesse chegado mais cedo”, afirmou. 



Ministério Público



Para o promotor criminal Fernando Vasconcelos, a principal dificuldade em investigar esse tipo de delito é a demora na perícia técnica, feita pelo Instituto Técnico-Científico da Polícia Civil (ITEP). “Para comprovar esse delito nós precisamos de algumas informações. A primeira delas é a perícia técnica: precisamos provar que o atestado não foi emitido pelo médico. O que tem acontecido muito é uma comercialização, no qual se utiliza o nome e o CRM dos profissionais para justificar faltas”, alertou. “É uma investigação muito simples. Basicamente o exame grafotécnico e ouvir médico e funcionário, mas tem inquérito com mais de um ano.”



Estrutura



O instituto possui apenas um perito documental. Em média, são solicitadas 500 perícias por ano, dos quais 5% são questionamentos sobre a veracidade dos atestados, de acordo com o perito em documentoscopia Luís Antônio de Oliveira. “Dependendo do caso demoramos um ano para emitir o laudo, mas isso acontece pela estrutura que o Estado dispõe. O volume de documentos relacionados às falsificações é muito grande”, defende. Nos últimos dois anos, o setor conseguiu analisar e emitir 18 laudos sobre a veracidade de atestados médicos.


Para comprovar a graciosidade do atestado, porém, não há caminho fácil. A orientação às empresas, segundo a advogada trabalhista Mariana de Lemos, é pedir a reavaliação clínica do trabalhador pelo médico do trabalho. O funcionário não é obrigado a cumprir e a solicitação só é válida após cinco dias de atestado, de acordo com o Ministério Público do Trabalho. “A empresa sempre pode requerer uma perícia. Na verdade, ela deve questionar”, aponta Mariana.



Entidades não possuem dados mas confirmam prejuízos 



Não há um levantamento específico sobre o impacto dos atestados nas empresas potiguares. Na maior parte dos casos, o questionamento acontece em âmbito trabalhista – caso a empresa tenha a comprovação de que o laudo é falso, o funcionário pode ser demitido. Quando é constatado um esquema de falsificação de CRM (cadastro do médico junto ao conselho regional) ou assinatura, é recomendado que os especialistas façam um boletim de ocorrência. De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte (Cremern), em casos de “danos materiais” as denúncias são encaminhadas para as promotorias criminais.



De acordo com o presidente da Confederação de Dirigentes Logistas do RN (CDL), Augusto Vaz, a apresentação de atestados médicos cresce nos feriados prolongados, como carnaval e natal. “Não tenho como dizer quantos são, mas conversas informais com empresários percebemos que isso aumenta. É possível ver durante o dia as pessoas comercializando. Quando esta prática acontece, é porque sempre há alguém que compra”, afiança.



Vale lembra que existem duas situações: a compra ou falsificação de atestados, sem a consciência do médico, ou quando o próprio especialista emite um laudo “gracioso”, que não condiz com a necessidade do paciente. 



“Mas precisamos alertar os funcionários: aqueles que tem uma reincidência de atestado não é bem visto em nenhuma empresa. Tudo bem que não se descubra que é falso, mas na necessidade de corte são eles os primeiros atingidos”, salientou Vaz.



O presidente da Federação do Comércio, Bens, Serviços e Turismo do RN (Fecomercio), Marcelo  Queiroz, acrescenta que o atestado médico deve ser acatado pela empresa, mas  lembra “que é fato que temos verificado um aumento exacerbado no uso de atestados médicos, isso é”, pontua.



Já o presidente da Federação das Indústrias do RN (Fiern), Amaro Sales, aponta que a venda ou falsificação de atestados médicos não trazem prejuízos apenas no âmbito privado. “A economia, não raro, oscila. Alguns feriados, por si, já são inadequados, e quando à estes se somam atestados graciosos, seguramente, a produção diminui e sem produtos à venda a empresa não fatura, não pode pagar seus compromissos e impostos, não faz a renda circular. É um prejuízo para a empresa e também para a sociedade.”



Bate-papo: Mariana de Lemos Campos – advogada especialista em direito trabalhista



Como um funcionário pode responder se apresentar um atestado falso ou gracioso?

Depende de como aconteceu o atestado falso. Criminalmente ele pode responder por falsificação do documento (até seis anos), se ele tiver falsificado; ou uso de documento falso, que ele pode responder com até um ano de detenção. Penalmente, para o médico, ele responde pelo artigo 302, falsidade de atestado médico. Ele também responde eticamente perante o Conselho Regional de Medicina.



E do ponto de vista trabalhista?

Mesmo que o funcionário tenha um atestado verdadeiro, mas que a empresa faça a perícia e constate que a pessoa não estava incapacitada, apesar do atestado, a pessoa pode ter os dias descontados. A depender do caso, pode gerar advertência verbal ou escrita ou suspensão, sem trabalhar e sem receber. Vai depender também de como a empresa vai querer lidar com a situação, pois é uma questão de quebra de confiança. Pode ensejar uma justa causa também.



Até que ponto a empresa tem direito de questionar a veracidade do atestado?

Existe um trâmite sobre a apresentação de atestado. Primeiro, ela pode pedir para que o trabalhador faça o exame, mas ele não é obrigado a fazer. Se ele aceitar, é recomendado que o médico seja do serviço médico da empresa ou conveniado a ela. A última opção seria o médico que o empregado livremente escolher. Em todo caso, um atestado nunca pode ser recusado, a não ser que a empresa tenha uma junta médica que comprove a falsidade. A empresa sempre pode requerer uma perícia – na verdade, ela deve questionar, independentemente do tempo de afastamento.



E se a empresa recusar, o que o trabalhador pode fazer?

É totalmente ilegal, mas na prática sabemos que pode acontecer. O ideal é que o empregado, quando entregar o atestado, fique com uma cópia ou um recibo que comprove o recebimento. Com isso ele pode requerer à empresa de forma formal, recorrer ao sindicato ou até mesmo à Justiça (se tiver os dias descontados). Procurar a justiça não é o ideal, principalmente se o trabalhador continuar empregado, pois estreme as relações dentro da empresa. O ideal é que ele consiga receber de forma direta.



O médico do trabalho pode contestar qualquer atestado, mesmo não sendo especialista?

Vai depender do CID (código internacional de doenças), nas é uma questão de especialidade. O médico, mesmo que não tenha um conhecimento amplo, tem uma noção dos sintomas. Se ele se sentir inseguro, pode encaminhar para outro médico.

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