REFORMA TRABALHISTA



A quem interessa essa “reforma” trabalhista?
I- O falso debate; II- O histórico da “reforma”; III- As falácias e os atentados dos pilares da “reforma”: 1. O negociado sobre o legislado; 2. Afastamento da Justiça do Trabalho; 3. Individualismo; 4. Política de subempregos; 5. Solidariedade sem participação do capital; 6. Criação de fetiches; IV- O conteúdo da “reforma”: 1. O que a “reforma” faz: a) no Direito Material; b) no Direito Processual; 2. O que a “reforma” não faz: a) no Direito Material; b) no Direito Processual; V- Outra reforma é possível? VI- Conclusão

 
I- O falso debate

Muito se tem falado sobre a “reforma” trabalhista. Tenta-se difundir a ideia de que quem é a favor da reforma é moderno e de que quem é contra é retrógado, apegado ao passado, burocrata etc. Diz, ainda, que aqueles que estão a favor são ponderados e razoáveis e os que são contra seriam radicais e ideológicos.

É bastante difícil enfrentar todos esses estereótipos e às vezes se tem a impressão que o melhor mesmo é não se manifestar. “Deixa rolar”, como se diz…

O problema é que está em jogo o futuro do país e, apesar de todos os incômodos, não dá para ficar calado.

De fato, não se trata de mera reforma trabalhista e sim de uma reformulação profunda no modo de ser social, que passa pela destruição das bases jurídicas do Estado de Direito brasileiro.

Difundi-se a ideia de que se está falando da alteração de uma legislação da década de 40, que estaria caduca, mas sabendo-se, como todos devem saber, que as leis do país estão regidas pela Constituição Federal, o que se está pondo em questão, portanto, no plano jurídico preciso, é a própria eficácia da Constituição de 88, que, ademais, relacionou expressamente os direitos dos trabalhadores, assim como lhes atribuiu a posição de direitos fundamentais.

A argumentação em torno da idade que se apresenta a respeito da CLT perde total sentido quando se lembra que dos 921 artigos da CLT de 1943, apenas 188 continuam vigentes até hoje e praticamente nenhum destes fixa, digamos assim, custos aos empregadores. Do ponto de vista legislativo, o que rege as relações de trabalho no Brasil, em consonância com a Constituição, é uma série de leis esparsas, editadas em grande número do ano de 1964 em diante, tendo sido a maioria, inclusive, na direção da dita “flexibilização”, tanto que o teor do PL 6787/16, que visa, segundo se diz, “modernizar a legislação do trabalho”, alterando mais de 200 dispositivos da CLT, toca apenas em 7 artigos da CLT que estavam vigentes em 1943; e mesmo assim não os revoga por inteiro.

Além disso, a pretendida reforma busca incentivar a livre negociação coletiva e isso é, precisamente, o que já existia no Brasil antes do Decreto 19.770, de 31 de março de 1931.

Além disso, a dita reforma “modernizadora” procura ampliar as possibilidades da liberdade contratual individual, mas com essa iniciativa apenas se retomam os padrões jurídicos da locação de serviços, tal qual prevista no Brasil desde 1830, com as alterações sofridas em 1837, 1850, 1879 e 1916.

A questão temporal, portanto, é apenas uma máscara, assim como a tentativa de transpor a questão para o campo ideológico, como se o debate a respeito fosse mera diferença de visão de mundo, ou seja, fruto de posicionamentos ideológicos distintos, isto porque se os direitos civis e políticos, incluindo a liberdade, foram consagrados no capitalismo, em 1789, os Direitos Humanos, de índole social, também foram enunciados dentro do mesmo modelo, por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.

Saindo dos estereótipos e dos argumentos prontos, torna-se possível perceber que a proposta de reforma, apresentada no último dia 12 de abril, busca uma reconstrução dos destinos da sociedade brasileira e o faz, segundo procurarei demonstrar, em conformidade com os interesses exclusivos do setor econômico (que são legítimos, mas não são os únicos) e isso – para além dos desejos individuais, ou seja, do que cada um possa considerar que seria o melhor para o país – contraria o pacto firmado na Constituinte de 1987, sendo que o pior de tudo são as estratégias políticas que se têm utilizado para chegar a esse resultado, fazendo com que não estejam em risco apenas os direitos dos trabalhadores, mas a democracia e o Estado de Direito nacionais, repercutindo, pois, no cotidiano de todos, independentemente de seus crédulos ou ideologias, mas, claro, mais diretamente, e no sentido negativo, na vida dos trabalhadores.

II- O histórico da “reforma”

Desde o início de dezembro de 2014 manifestações se organizam contra o governo e já naquele instante era possível perceber que a tentativa de fragilização do governo – que era como o setor econômico vislumbrava a mobilização – estava ligada ao propósito de direcioná-lo à realização, em seu proveito, de alterações na legislação social, sobretudo no que se refere à ampliação da terceirização[i].

Foi assim que o governo, em 30/12/14, editou as MPs 664 e 665 e, em 06/07/15, a MP 680 (Programa de Proteção ao Emprego), valendo lembrar que, bem antes disso, em maio de 2014, já havia dado indicativos nesta direção com a edição do Decreto n. 8.243, que instituiu a Política Nacional de Participação Social — PNPS. Essa normativa previa a criação de um Sistema Único do Trabalho — SUT, pelo qual, de forma bastante sutil, se retomava a ideia, embutida na antiga Emenda n. 3, de março de 2007, de negar o caráter de indisponibilidade da legislação trabalhista[ii].

De março de 2015 em diante, a demanda por um impeachment da Presidenta Dilma só aumentou, favorecendo a ampliação da reivindicação patronal. Por outro lado, também aumentava a pressão da classe trabalhadora sobre o governo, cobrando deste o respeito ao compromisso, feito na campanha eleitoral, de que não mexeria em direitos trabalhistas nem que a vaca tossisse.

No curso desse impasse, o PMDB, ainda compondo o governo, em 29/10/15, anuncia o seu programa “Uma Ponte para o Futuro”, que previa a realização de “reformas estruturais” necessárias para alavancar a economia, falando, inclusive, de alterações nas leis e na Constituição, cujas “disfuncionalidades” deveriam ser corrigidas.

E cumpre observar que, embora fizesse esse indicativo das “reformas”, o programa não trazia um projeto completo e claro a respeito, fazendo menção expressa apenas, na área previdenciária, à elevação da idade mínima para a aposentadoria, e, na questão trabalhista, a uma atuação para “permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos”[iii].

Em concreto, o PMDB não tinha um projeto de reforma trabalhista. E muito menos o tinha o Vice-Presidente da República, Michel Temer. O indicativo a respeito foi apenas de ordem política.

De todo modo, esse indicativo foi o impulso que faltava para a abertura do processo de impeachment, que aparece, também, como solução do impasse.

Assim, após Eduardo Cunha acolher, em 02/12/15, o pedido de impeachment, que começa a tramitar na Câmara em 04/12/15[iv], o setor empresarial passa a se manifestar expressamente a favor do afastamento da Presidente, tendo a percepção de que, diante da potencial fragilização das instituições democráticas (o que já vinha se manifestando, vale lembrar, em fórmulas explícitas de Estado de exceção, desde 2013), se teria a oportunidade para concretizar um desejo manifestado desde 1989, qual seja, o destruir o projeto de Estado Social fixado na Constituição de 1988, notadamente nos aspectos da posição de direitos fundamentais que foi conferida aos direitos dos trabalhadores e da relevância dada à Justiça do Trabalho, sobretudo após a EC45/04, quando sua competência jurisdicional foi ampliada[v].

A FIESP e a CIESP só se manifestaram, expressamente, a favor do impeachment em 14/12/2015[vi]; a CNA, em 06/04/2016; a CNI e a CNT, em 14/04/2016, ou seja, três dias antes da votação na Câmara, que se deu em 17/04/16; e a FEBRABAN não se pronunciou a respeito (o que não significa que estive contra, por certo).

Um dia antes da votação na Câmara, como forma de justificar o impeachment, já vislumbrado como essencial para a “recuperação da economia”, o Presidente da FIESP, Paulo Skaf, em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada na edição de 16/04/16[vii], anunciou:

“Com a retomada da confiança [leia-se: com o impeachment de Dilma e um governo Temer], a economia retomará o crescimento, e não demorará muito. É necessário que se dê um crédito para o presidente que assuma. (…) Não tinha como resolver a economia sem mudar o governo.”

E o Presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e da Pecuária), João Martins, no mesmo dia, discursando para Deputados da bancada ruralista, disse:

“A dura realidade é que o atual governo optou pelo caminho errado ao adotar medidas que afetaram a estabilidade da economia e provocaram o crescimento do desemprego (…) o fechamento de 100 mil estabelecimentos comerciais em todo país, gerando 10 milhões de desempregados e com o governo perdendo toda credibilidade junto à população e à comunidade financeira internacional (…). Mudar o país, reconstruir a economia, fazer as reformas estruturais, por exemplo, da previdência social e da legislação trabalhista, são tarefas complexas a serem executadas a partir da aprovação do impeachment.”

Um mês depois da posse nenhuma providência do governo foi tomada no sentido de alguma reforma trabalhista. E o próprio PL 4.330/04 – da terceirização, que era uma grande aposta empresarial e já havia sido aprovado na Câmara em 23/04/15, encontrava fortes obstáculos desde quando passou a tramitar no Senado, a partir de 28/04/15, com o número PLC 30/15, tendo como relator, nomeado em 17/08/15, o Senador Paulo Paim.

Então, em 19/05/16, é divulgada a notícia de que alguns integrantes do governo, incluindo Ministros, estavam envolvidos em denúncias da Lava Jato[viii].

O governo não entendeu o recado e continuou desprezando a reforma trabalhista, vez que, expressamente, dava prioridade à reforma previdenciária, conforme dito pelo Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, em 20/05/16:

“O ministério irá ouvir os trabalhadores até porque a reforma trabalhista é num segundo momento. Primeiro o governo está trabalhando para buscar um consenso no que diz respeito a Previdência Social”[ix].

O Ministro, inclusive, chegou a ser aplaudido por sindicalistas quando comunicou que “nenhuma medida será anunciada sem que antes seja construída uma base consensual com os sindicatos” [x].

Foi assim que, no dia 08/06/16, 150 empresários, de diversos setores, dada a oportunidade da crise política, foram até o Planalto encontrar com o Presidente (até então, interino), expressar o seu apoio ao governo e aproveitar para lembrá-lo do compromisso assumido com relação às reformas estruturais na Previdência e na legislação do trabalho[xi].

O governo, revelando o pacto feito com esse segmento da sociedade, setor empresarial e grande mídia, reafirmou publicamente o seu propósito de implementar as denominadas “medidas impopulares” para conduzir as tais “reformas estruturais” e, digamos assim, mudou o rumo da prosa.

Os Ministros do governo Temer, então, vieram a público para tornar a vontade empresarial uma voz oficial do Estado.

Em 18/06/16, o Ministro do Trabalho passa a falar, então, da necessidade de alterar a legislação do trabalho: “Precisamos ter contrato de trabalho que explicite as regras mais claramente, a respeito dos direitos e garantias do trabalhador”[xii].

Já o Ministro da Casa Civil, o mesmo que enunciou o fim da Lava Jato, explicitando que ela devia saber a hora de parar[xiii], para justificar o fim da CLT, disse, na mesma data, que “… a década de 40, 46, ficou para trás há muito tempo”, afirmando que se havia alguma razão para a legislação trabalhista criada por Getúlio Vargas naquela época hoje essas razões não existem mais[xiv].

E foi além, ao expressar que:

“…temos que olhar rumo ao amanhã, (ver o que) os países desenvolvidos estão fazendo, e temos que fazer aqui. Essa questão do pactuado versus legislado, com sobreposição do pactuado sobre o legislado, isso é o mundo. Nós não estamos aqui inventando a roda. Isso é no mundo hoje, diante da competitividade que se estabeleceu para se ter emprego. Todo mundo (está) tentando buscar o pleno emprego. Então tem que se facilitar as formas de contratação.”

O Presidente da CNI se sentiu tão confortável com a situação política do país, extremamente favorável ao setor econômico, que, em 11/07/16, chegou a dizer[xv] que para recuperar a competitividade das empresas seria preciso aumentar o limite do trabalho de 44 para 80 horas semanais. Verdade que depois reconsiderou a fala para esclarecer que fazia menção ao limite de 60 horas semanais[xvi] e não ao de 80.

A grande mídia também procurou fazer a sua parte e, no dia 20/07/16, o jornal Folha de S. Paulo deu destaque à notícia (que foi concretamente um ultimato) de que o governo iria enviar ao Congresso Nacional, até o final do ano, três propostas de reformas trabalhistas[xvii].

O governo soube se valer da situação e, no dia imediatamente anterior à votação do impeachment no Senado, ou seja, em 24/08/16, chamou empresários para um evento no Palácio do Planalto e, em manifestação pública, fez o quê? Defendeu a reforma trabalhista, o que, claro, muito rapidamente foi repercutido na imprensa[xviii].

Ocorre que, no dia 8/9/16, no processo RE 895.759 (1159), o Ministro Teori Zavascki, em decisão monocrática, seguindo a mesma linha já aberta pela decisão proferida no RE 590.415, de 30 de abril de 2015 (relator Ministro Roberto Barroso), acolheu a validade de norma coletiva que fixava o limite máximo de horas “in itinere”, fazendo, inclusive, uma apologia ao negociado sobre o legislado.

No dia 14/09/16, o Supremo, refletindo o momento político, provavelmente pela primeira vez em toda a sua história, designou uma pauta composta integralmente de processos que diziam respeito a questões trabalhistas. E foi uma pauta cuidadosamente escolhida, vez que as questões, todas elas, eram ligadas ao tema da flexibilização. Ou seja, elaborou-se uma pauta com a finalidade de promover uma autêntica “reforma” jurisprudencial trabalhista, passando por cima dos entendimentos, nas mesmas matérias, já expressos pelo TST, como se verificou no conteúdo dos julgamentos proferidos.

No julgamento da ADIN 4842 (relator, Ministro Celso de Melo), o STF declarou constitucional o art. 5º da Lei n. 11.901/09, que fixa em 12 horas a jornada de trabalho dos bombeiros civis, seguida por 36 horas de descanso e com limitação a 36 horas semanais, contrariando a limitação diária estabelecida no art. 7º, XIII, da Constituição Federal.

Na mesma sessão, do dia 14/9/16, o Ministro Roberto Barroso, chamando o Ministro Marco Aurélio de Melo ao diálogo disse: “toda tendência do Direito do Trabalho contemporâneo é no sentido da flexibilização das relações e da coletivização das discussões”. E o Ministro Marco Aurélio completou: “Fato. Mais dia menos dia nós vamos ter que partir para essa reforma”.

Diante dessa manifestação explícita do STF, Temer vê a oportunidade para não levar adiante o incômodo da reforma trabalhista, declarando, no dia seguinte, 15/09/16, que não era “idiota” de eliminar direitos trabalhistas e chega a anunciar que deixaria para 2017 a apresentação de alguma alteração trabalhista, mantendo o foco na reforma previdenciária[xix].

Em 21/09/16, o governo oficializa sua posição no sentido do adiamento, para o 2º semestre de 2017, das discussões em torno da reforma trabalhista. O Ministro do Trabalho afirma: “Estamos apenas em fase de estudos e de debates, porque a questão é complexa e precisa ter a participação de todos os setores envolvidos". E esclarece que antes de discutir mudanças na lei trabalhista, o governo iria focar na recuperação da economia[xx].

Mas, ainda que o STF tivesse se apresentado como agente da reforma, isso, por certo, não era de pleno agrado do setor empresarial que inflou a chegada de Temer ao poder, pois assim se manteria sobre o controle do Judiciário a regulação da relação capital-trabalho e o que este setor pretendia era muito mais que isso; era eliminar a intermediação estatal e controlar diretamente a força de trabalho. Além disso, as decisões do STF, embora flexibilizantes, não iam ao ponto pretendido da total derrocada de direitos trabalhistas, chegando mesmo a manterem inabalados os princípios do Direito do Trabalho e a própria autoridade da Justiça do Trabalho.

Apesar de várias decisões do STF favoráveis ao setor econômico, percebeu-se a necessidade de se retomar o tema da reforma trabalhista no âmbito do legislativo.

Então, no dia 10/12/16, “vaza” para a grande mídia a informação de que o nome de Temer havia sido citado 43 vezes nas delações da Odebrecht[xxi].

Em resposta, o que fez o governo? Rapidamente, tratou de retomar o tema da reforma trabalhista.

No dia 17/12/16, o Ministro do Trabalho, alterando completamente sua fala anterior, veio a público para dizer que o governo faria uma proposta de reforma trabalhista, não sabendo, no entanto, que reforma seria essa. Apenas disse que poderia haver a adoção do “trabalho intermitente”, explicitando, ainda, que não havia consenso a respeito[xxii].

É evidente, pois, que o governo, como já havia manifestado, não tinha uma proposta concreta de reforma trabalhista, ao menos uma que fosse fruto de estudos, com projeções e expectativas. O que se pretendeu naquele instante, com aquela informação, foi meramente abafar os efeitos nefastos das últimas notícias. Mas pode-se dizer, também, que o governo foi pressionado para levar adiante a promessa que havia feito de realizar a “impopular” reforma trabalhista.

Foi assim que se organizou, no dia 22/12/16, um grande palanque no Palácio do Planalto, com as presenças dos Ministros Gilmar Mendes e Ives Gandra da Silva Martins Filho, para anunciar a apresentação de um projeto de lei qualquer, junto com a informação de que iria liberar, a partir de 1º de fevereiro de 2017, o FGTS inativo.

O governo conseguia, desse modo, alterar a pauta da grande mídia, colocando a notícia da reforma trabalhista nas primeiras páginas, ao mesmo tempo em que acalmava os empresários – e trabalhadores, com a liberação do FGTS –, mantendo ambos em expectativa.

Mas, percebam. O governo não tinha um projeto próprio de reforma trabalhista. O anteprojeto que apresentou ao Congresso Nacional, no dia seguinte, em 23/12/16 (onde recebeu o número PL 6787/16), com o apelido de uma minirreforma, foi feito às pressas para abafar a crise política; tinha míseras 9 páginas, incluindo a justificativa, e alterava apenas 7 artigos da CLT, além de propor uma reformulação na Lei n. 6.019/16 (trabalho temporário).

Em paralelo, como já dito, tramitava, no Senado Federal, o PLC30/15, que previa a ampliação da terceirização, mas como estava sendo forte a reação social contra o projeto, favorecida pela atuação do relator, Senador Paulo Paim, era preciso fazer algo para que o nó dado à questão da terceirização também fosse desatado.

O impulso para o desenlace se deu com nova notícia acerca da Lava Jato.

No dia 03/03/17, foi divulgada a informação de que havida sido aceita naquele dia a “primeira” denúncia da Lava Jato do ano[xxiii].

No mesmo dia, 03 de março de 2017, é divulgada a notícia[xxiv] de que a Câmara pretendia retomar a tramitação do PL 4.302/98, cuidando de trabalho temporário (mesmo já estando referido no PL 6786/16), mas que também fazia menção, ainda que de forma não muito precisa, à terceirização, com permissivo para a atividade-fim das empresas.

O PL 4.302/98 estava praticamente sem tramitação[xxv], destacando-se, apenas, um pedido de movimentação, direcionado ao Presidente da Câmara, formulado pela Fecomércio, em 10/01/17, que foi encaminhado à CCJC, em 25/01/17, onde deu entrada em 26/01/17.

No dia 21/03/17, a Polícia Federal deflagrou a primeira operação referente aos nomes denunciados pela delação da Odebrecht, envolvendo 4 senadores, em 4 Estados[xxvi] e, no mesmo dia, em 21 de março, todas as “pendências” do PL 4.302/98 foram sanadas e o projeto foi encaminhado a plenário e aprovado em 22/03/17.

Nunca se viu um procedimento tão acelerado. O PL foi sancionado por Temer, em 31/03/17, transformando-se na Lei n. 13.429/17, publicada no mesmo dia no Diário Oficial da União.

E a estratégia de vincular a “reforma” trabalhista ao projeto político parece estar dando certo, pois, ao contrário do que se anunciava em 10/12/16, quando foi divulgada a “lista do Fachin”, de denunciados da Lava Jato, em 11/04/17[xxvii], o nome de Temer não apareceu, e, embora se tenha um fundamento jurídico para tanto, por este ocupar o cargo da Presidência da República, o fato concreto é que, como já se chegou a expressar[xxviii], algumas “avaliações jurídicas” devem ser feitas de modo a não permitir que se abale a “estabilidade do país”. Neste caso, a estabilidade se sustenta, mesmo que sobre areia movediça, para atender ao propósito de levar adiante as reformas trabalhista e previdenciária, que foi o que, contraditoriamente, motivou o abalo da democracia e das instituições do país.

E o interessante é que essas reformas estão sendo conduzidas por vários parlamentares denunciados na “lista do Fachin”.

Assim, o que a população brasileira – incluindo os eventuais “inocentes” úteis e os que efetivamente creem nas benesses das “reformas” – deve se perguntar, de forma bem sincera e honesta, é quais seriam os compromissos políticos e econômicos que estão impulsionando a tramitação, de forma tão acelerada e despudoradamente antidemocrática, dos projetos das referidas “reformas”, notadamente a trabalhista, cujo conteúdo final, como se demonstrará adiante, serve, integralmente, ao setor econômico ligado ao grande capital.

Que ajustes seriam esses que se valem da fragilização das instituições nacionais, para favorecer interesses que não se revelam e que se anunciam pelas fórmulas vazias da “modernização” e da “eliminação da informalidade”?

Vale verificar que o relatório final do PL 6787/16, apresentado logo no dia seguinte ao da divulgação da lista do Fachin, ou seja, em 12/04/17, não era, inicialmente (em 23/12/16), um projeto de reforma trabalhista, como acima demonstrado, e, em apenas quatro meses (devendo-se considerar que, de fato, a tramitação tem início em 09/02/17, quando é instalada a Comissão Especial da Reforma e eleito como relator o deputado Rogério Marinho, o que resulta em parcos dois meses de tramitação) se transformou em um texto com 132 páginas, incluindo o Parecer, propondo a alteração de mais de 200 dispositivos na CLT, dentre artigos e parágrafos, todas no mesmo sentido.

O que se verificou ao longo dessa tramitação foi a exclusiva incorporação de demandas que o setor empresarial tinha no que tange às relações de trabalho[xxix], seja no plano do direito material, seja no campo processual, fazendo-o de modo a majorar o poder dos grandes conglomerados econômicos e, notadamente, das grandes empreiteiras, por meio de dois pilares: a) fragilização jurídica e fragmentação da classe trabalhadora; e afastamento da atuação corretiva e limitadora do Estado (direito e instituições – Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Auditores Fiscais do Trabalho e advocacia trabalhista), a não ser naquilo que interesse ao capital.

Não se trata de mera reforma, mas de uma alteração profunda do modo de produção e nas relações de trabalho no Brasil e todas no mesmo sentido de atendimento de demandas empresariais.

Destaque-se que não se está falando aqui, em momento algum, que nenhuma alteração na legislação do trabalho não possa ser debatida. Aliás, um ponto sobre o qual não se tem praticamente discussão no meio jurídico – tendo motivado manifestações de todas as instituições ligadas ao mundo do direito – é exatamente o de que a rejeição ao PL 6787/16 se impõe em razão da total ausência de possibilidades de se ter estabelecido um debate democrático e sério quanto ao seu conteúdo. Na elaboração do PL afastaram-se, completamente, as considerações que levavam em conta, igualmente, os interesses da classe trabalhadora e a necessidade de preservar o projeto constitucional.

Além disso, como se está demonstrando, nem é propriamente de uma reforma que se cuida. O PL 6787/16, como revela o seu conteúdo, representa uma reformulação completa do próprio modelo de Estado, trazendo alterações estruturais que repercutem na vida nacional.  

Sob a retórica de que se está modernizando uma legislação da década de 40, o que se está pretendendo realizar é um desmonte do pacto realizado na Constituição de 1988, sem o estabelecimento de um amplo debate a respeito, com o estabelecimento, inclusive, das vias necessárias de participação popular. Não se esqueça que a Assembleia Nacional Constituinte, instalada a partir de 1º de fevereiro de 1987, esteve aberta a propostas de emendas populares, com o requisito de que fossem encaminhadas por associações civis e subscritas por, no mínimo, 30 mil assinaturas, como forma de atestar o apoio popular à proposta, sendo que até o encerramento dos trabalhos, foram apresentadas mais de 120 propostas nas mais diversas áreas, reunindo cerca de 12 milhões de assinaturas.

O que resta evidente pela própria cronologia dos fatos acima apresentada é que se está tentando levar adiante, a fórceps, sem o mínimo respeito às instituições democráticas, uma reforma empresarial que tende a suprimir a eficácia da Constituição de 1988, podendo-se prever até mesmo, pelo modo como as coisas se desenvolveram, que ao final de todo esse processo nenhuma alteração concreta se verifique com relação à corrupção, com punição dos diretamente envolvidos, sendo que muitos, inclusive, sairão beneficiados pela reforma trabalhista aprovada.

No dia 22/04/17, por exemplo, veiculou a notícia de que as principais empresas citadas na Lava Jato haviam demitido 600 mil pessoas, nos últimos 3 anos, sem fazer qualquer consideração crítica a respeito, ou seja, naturalizando as dispensas. Sem dizer expressamente, a notícia aponta para a necessidade de uma limitação da Lava Jato, destacando os seus “efeitos colaterais”[xxx]. Além disso, tem como função difundir a ideia de que as empresas corruptoras devem ser perdoadas porque, além de terem contribuído com as delações, ainda estão sendo vítima dos efeitos econômicos do processo, o que, indiretamente, serve para justificar as reformas trabalhistas, que poderiam auxiliá-las em sua recuperação, favorecendo o governo na difusão de números de aumento do emprego em razão da reforma, ainda que, de fato, se trate de subemprego.

E, em 23/04/17, o Presidente da Natura veio a público para defender a manutenção de Temer no poder até 2018[xxxi].

Ao mesmo tempo, a tramitação do processo que envolve a “lista do Fachin” tende a se eternizar no STF.

Assim, o roteiro se direciona para um final, no qual, mais uma vez na história do Brasil, os punidos serão apenas os trabalhadores.

Aliás, é bastante curioso que precisamente no momento histórico em que se diz estar pretendendo banir do cenário nacional a corrupção, o que implicaria interferir no poder das grandes empresas e na sua correlação com políticos e na sua influência sobre as instituições públicas, difunde-se esse ataque midiático à Justiça do Trabalho e se o faz com o argumento, sempre expresso, de que ela interveio na vontade das empresas. Ou seja, quando se diz estar passando o Brasil a limpo, é alarmante que se esteja promovendo um achincalhamento público de uma instituição que não se corrompeu, que não cedeu e que não abriu mão de cumprir a sua função de impor limites, constitucionalmente previstos, à exploração do trabalho pelo capital.

Muito se diz sobre a insegurança jurídica causada pela jurisprudência da Justiça do Trabalho, mas o que esta fez, frente às reiteradas tentativas de se desconstruir a Constituição de 1988, com interpretações forçadas, foi assegurar a efetividade das normas constitucionais e o fez, “data venia”, de forma ainda limitada, haja vista que corroborou com a intermediação da mão-de-obra sob o eufemismo da terceirização, não conferiu aplicabilidade imediata ao inciso I, do art. 7º, não declarou a inconstitucionalidade do banco de horas, acolhei a jornada de 12×36, impôs reiterados limites inconstitucionais ao direito de greve, interpretou de forma restrita o lapso prescricional, acatou a teoria da responsabilidade subjetiva nos acidentes do trabalho, reforçando a noção, criada na década de 60 para incentivar o investimento de empresas estrangeiras no Brasil, de “ato inseguro da vítima” etc.

De todo modo, no conjunto, o que se extrai da atuação da Justiça do Trabalho é uma jurisprudência de resistência e bastante importante para o projeto social democrático, tomando-se, como exemplos, a limitação às dispensas coletivas e a ultratividade (diretamente atacadas na “reforma”).

O problema é que nem mesmo essas contenções foram aceitas pelo setor empresarial e o que estamos vivendo hoje, concretamente, é um autêntico atentado ao Estado de Drieito por meio também do assédio moral coletivo aos juízes e juízas do trabalho, como forma de interferir na sua independência jurisdicional, tudo para a imposição de uma “reforma” empresarial trabalhista.

O conteúdo do PL 6787/16 – analisados todos os seus dispositivos, um a um – é uma explicitação de que, em conformidade com todo o processo histórico acima narrado, se buscou atender, exclusivamente, os interesses do grande capital, não apenas no sentido de favorecê-lo na sua relação imediata com os trabalhadores, mas de lhe conferir um quase total controle da vida nacional, o que explica, inclusive, o ataque à Justiça do Trabalho, como dito.
A pressa com que se pretende aprovar a “reforma” é a demonstração nítida de que o seu conteúdo não resistiria a um debate democrático mais amplamente difundido.

Para se ter uma ideia, bastou uma pergunta ao relator do Projeto de Lei da “reforma”, feita em 24/04/17, em programa de televisão[xxxii], sobre qual seria a utilidade para a sociedade brasileira de se incluir no PL um dispositivo com o potencial de eliminar a responsabilidade de empresas envolvidas, na “cadeia produtiva”, com a exploração do trabalho em condições análogas à de escravos[xxxiii], para que o dispositivo simplesmente sumisse do relatório final aprovado na Câmara dos Deputados no dia 26/04/17. Aliás, a própria reação do deputado à pergunta revela o seu desconhecimento sobre os alcances jurídicos de dispositivos que constam da “reforma”.

Aliás, bastou também que se evidenciasse, em caso concreto, o quanto a precariedade das condições de trabalho põe em risco a vida dos trabalhadores e também dos consumidores, para que um recuo, rapidamente, se verificasse na proposta de “reforma”. Com efeito, quando se visualizou o efeito do trabalho intermitente na aviação civil e como essa modalidade de contratação colocaria em risco não só a vida dos trabalhadores, mas também dos passageiros (muitos que estão por aí considerando que a precariedade é benéfica) e dos próprios congressistas, o relatório final, aprovado no dia 26/04, no que tange ao dispositivo que cuida do trabalho intermitente, foi alterado para explicitar que os aeronautas estariam excluídos do alcance dessa previsão:

“Art. 443 – § 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.” – grifou-se

Além disso, sem muita justificativa já se alterou a tal parametrização (que é, por si, uma afronta à Constituição) do dano moral prevista na “reforma”, que, na redação de 12/04/17, era: “I – ofensa de natureza leve, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; II – ofensa de natureza média, até dez vezes o último salário contratual do ofendido; III – ofensa de natureza grave, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido”, e que, na redação de 26/04/17, passou a ser: “I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido”.

Esses exemplos evidenciam que: 1) os próprios parlamentares reconhecem que a precarização das relações de trabalho gera problemas tanto para os trabalhadores quanto para os consumidores; 2) a “reforma” não está baseada em estudos necessariamente aprofundados, podendo gerar enorme insegurança jurídica e transtornos econômicos, sociais e jurídicos de toda a espécie; 3) mesmo os parlamentares não compreendem, em muitos aspectos, a totalidade dos efeitos jurídicos dos dispositivos que estão aprovando; 4) visualizados, só pelas modificações já feitas, os enormes complicadores que um conjunto de mais de 200 alterações legais pode gerar, a pressa com que se pretende aprovar a “reforma”, aliada às evidências da cronologia acima apresentada, demonstra que os parlamentares não estão preocupados com a melhoria da regulamentação das relações de trabalho no Brasil e sim em cumprir um compromisso de levar adiante uma agenda política direcionada a interesses específicos; 5) se fosse possibilitado o debate democrático, com o necessário alcance da grande mídia, a “reforma” não se seguraria em pé; 6) pouco estão, de fato, se importando com os enormes transtornos que essa “reforma” vai gerar.

III- As falácias e os atentados dos pilares da “reforma”

1. O negociado sobre o legislado

O projeto tenta se justificar pela necessidade de modernização das relações de trabalho, incentivando a negociação coletiva.

Isso, no entanto, afronta, diretamente, o projeto de Estado Social, no qual a vontade dos sujeitos não deve prevalecer sobre o pacto de solidariedade que se estabelece por meio de um patamar civilizatório mínimo. Ou seja, o capital e o trabalho podem se relacionar livremente desde que sejam garantidos os preceitos mínimos que servem à organização do modelo de sociedade até mesmo para que a lógica da livre concorrência não conduza todos a uma situação de barbárie.

Não se pode acreditar que os livres ajustes se voltem ao interesse coletivo e o interesse público não está refletido na soma dos interesses individuais, como já demonstrou a história.

Se dirá que a reforma não vai a esse ponto, pois o que se almeja é apenas que direitos constitucionalmente assegurados sejam regulados de forma distinta pelos diretamente interessados. O problema é que se tenta afastar por completo a participação do Estado do controle do respeito aos preceitos constitucionais por meio de fórmulas processuais, que incluem até mesmo a interferência na independência do juiz, dizendo-lhe como deve julgar, se isto eventualmente vier a ocorrer.

Além disso, por mais que o projeto tente assegurar esse efeito, de que nenhum direito será perdido, o concreto é que ao falar que direitos constitucionais não podem ser simplesmente reduzidos, acaba, pela própria expressão utilizada, dando margem à compreensão, em interpretação a contrario sensu, de que mesmos esses direitos podem ser compensados com outras vantagens, mas não estipula o modo dessa “equivalência” e ainda diz que a ausência das contrapartidas não implica em anulação do negociado.

O que se tenta, concretamente, é fazer com que os próprios trabalhadores sejam agentes de suas derrotas, vez que numa realidade de desemprego estrutural, de terceirização ampla, de trabalho intermitente como regra e de sindicatos fragilizados, os empregadores (sobretudo os grandes empregadores) terão amplas condições de impor a sua vontade, sempre com o argumento de que se as reduções não forem aceitas conduzirão os trabalhadores ao desemprego, o que, aliás, foi expressamente autorizado pelo projeto (o projeto da reforma expressamente autoriza e, assim até incentiva, as dispensas coletivas sem justo motivo – o que vinha sendo impedido pela Justiça do Trabalho).

Lembre-se que a liberdade negocial pressupõe, mesmo nos marcos jurídicos do Direito Civil, que o ajuste não se conclua a partir do estado de necessidade de uma das partes, vez que isso fere os princípios da liberdade e da boa-fé, que são a essência do contrato. Daí porque, para chegar ao ponto preconizado, de maior amplitude para a negociação coletiva, o projeto, não estivesse vinculado a propósitos não revelados, deveria iniciar regulamentando o inciso I, do art. 7º, da Constituição Federal, que garante aos trabalhadores a relação de emprego protegida contra dispensa arbitrária.

O próprio projeto, no seu parecer, reconhece que os sindicatos estão fragilizados, mas argumenta que a ampliação das potencialidades negociais aumenta o seu poder. Ora, o que essa possibilidade faz é fragilizar ainda mais os sindicatos, sobretudo quando se acopla a essa situação a eliminação do imposto sindical, que passa a ser opcional.

Registre-se aqui que poucos são, no meio jurídico trabalhista, os que defendem o imposto sindical obrigatório, mas quase ninguém nega, também, que é necessário garantir a liberdade sindical antes de se chegar a esse resultado.

Além disso, a reforma, falando de liberdade, simplesmente não adentra o problema fundamental para os trabalhadores que é o da intervenção do Estado nas greves. O projeto, portanto, deveria, essencialmente, libertar os termos do art. 9º, da Constituição Federal, dos limites em que, indevidamente, foram postos pela Lei n. 7783/89 (que é inconstitucional, mas que, estranhamente, tem prevalecido sobre a Constituição).

Em suma, o projeto fala em modernidade para a livre negociação, mas não estabelece nenhuma garantia aos trabalhadores para que possam manifestar sua vontade livremente.

2. Afastamento da Justiça do Trabalho

A tentativa de afastar a Justiça do Trabalho se dá para impedir que ela faça prevalecer as políticas públicas voltadas às relações de trabalho fixadas na Constituição, como tem feito, ainda que timidamente.

A classe empresarial quer definir sozinha o seu destino, mas nisto não há nenhum projeto de país.

3. Individualismo

O projeto incentiva o individualismo, destruindo, pois, a lógica de solidariedade social.

Reforça, inclusive, a lógica, já existente no Brasil, infelizmente, de que aqueles que estão bem situados economicamente não precisam se integrar aos projetos gerais da Seguridade Social.

Ao se permitir que os interessados diretos resolvam, como quiserem, os seus interesses, a tendência, inclusive, é que se alastrem as práticas de sonegação da Previdência Social, como forma de abrir espaço maior para os institutos de previdência privada.

4. Política de subempregos

O projeto tenta fazer crer que a geração de empregos é uma mera questão de alinhamento da forma jurídica com a vontade dos empregadores. As supostas fórmulas criadas para geração de empregos, trabalho intermitente e terceirização de atividade-fim gerarão, isto sim, um deslocamento dos empregados fixos e diretos para as relações intermediadas e temporárias, aumentando a precariedade no mercado de trabalho como um todo, além de fragmentar e fragilizar ainda mais a classe trabalhadora, como forma, inclusive, de aniquilar por completo qualquer possibilidade de exercício de pressão sobre os empregadores no momento da negociação coletiva.

Ademais, segundo se diz[xxxiv], são as micro e pequenas empresas que de fato empregam no país e as reformas, no geral, atendem aos propósitos dos grandes conglomerados econômicos, aumentando o seu poder, que se exerce, inclusive, sobre as micro e pequenas empresas.

5. Solidariedade sem participação do capital

Tenta-se justificar a regulamentação de vínculos precários como forma de melhorar a condição social dos que estão na informalidade. Mas o fenômeno já se produziu entre nós na regulamentação das cooperativas de trabalho, em 1994. Os empregados passaram a ser “cooperados”.

A precarização não inclui, até porque, se isso se ocorresse, não seria propriamente inclusão, mas uma semi-inclusão.

Não se trata de recusar a ideia, que também acompanha os termos da reforma, de tirar de quem tem mais para dar a quem tem menos. Ora, a solidariedade não pode ser pensada nos limites estritos do conjunto dos menos favorecidos da sociedade. Não é aos trabalhadores com emprego que se deve exigir sacrifício para que se proceda a inclusão dos “informais”. O que se deve fazer é estimular a economia, reformular a distribuição tributária, e efetivar políticas públicas, também de cunho social e educacional.

É preciso que se tenha a percepção concreta de quais são os obstáculos à justiça social. Estimular o subemprego, melhorando o dado estatístico da empregabilidade, serve apenas para mascarar os desajustes econômicos e os nossos graves problemas sociais históricos.

6. Criação de fetiches

Os fundamentos com que se tentam justificar a reforma geram, ainda, os graves fetiches de que o empresariado brasileiro, ao longo da história, foi um fiel cumpridor da lei, de que a economia brasileira sempre foi saudável e justa e de que se as coisas não andaram bem foi por culpa da Justiça do Trabalho que impôs aos empregadores obrigações superiores àquelas previstas nas leis; quando não do próprio trabalhador, em razão de seus insuportáveis, economicamente falando, direitos.

Fato é que a soma desses fatores conduz ao resultado pretendido do aumento de poder dos grandes conglomerados econômicos: afastamento do Estado (Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Auditores Fiscais do Trabalho, com a essencial participação da advocacia trabalhista) das relações de trabalho e, por consequencia, a eliminação do projeto de Estado Social.

IV- O conteúdo da “reforma”

Para que não se diga que os argumentos acima são exagerados, expõem-se, abaixo, de forma esquemática, os principais pontos da “reforma”, que são, como se poderá verificar, exclusivamente voltados aos interesses dos empregadores.

1. O que a “reforma” faz:

a) no Direito Material
– Banco de horas (válido também mediante acordo individual – para o lapso de 6 meses)
– Trabalho temporário (ampliado para 180 dias, consecutivos ou não, podendo-se ampliar por mais 90 dias – nos termos da Lei n. 13.429/17)
– Trabalho a tempo parcial (ampliado para 36 horas semanais – com possibilidade de trabalho em horas extras)
– Mantém a recuperação judicial (Lei n. 11.101/05)
– Terceirização atividade-fim, com responsabilidade apenas subsidiária do tomador, prevendo “quarteirização”
– Trabalho intermitente, sem garantia sequer do recebimento do salário mínimo
– Negociado sobre o legislado, sem garantia efetiva para um questionamento na Justiça
– Dificulta a configuração do grupo econômico (exige controle efetivo)
– Prescrição com compreensão restritiva (intercorrente – e pronunciamento de ofício)
– Legaliza a jornada de 12×36 por acordo individual – com possibilidade, ainda, de realização de horas extras, suprimindo DSR e feriados
– Teletrabalho (sem limitação da jornada, dificulta responsabilização do empregador por acidentes e permite a transferência dos custos ao empregado)
– Limitação das condenações por dano moral (com exclusão de responsabilidade da empresa tomadora dos serviços)
– Prevê a condenação do empregado por dano extrapatrimonial
– Parametrização da indenização por dano moral (ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido)
– Cria a figura do “autônomo”, que trabalha com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não
– Permite o contrato individual sobre o legislado para o empregado, com nível superior, que receba salário de R$11.062,62 ou mais
– Cria o termo de quitação anual ampla por ajuste extrajudicial, firmando também durante a vigência do contrato
– Permite expressamente e, com isso, até incentiva, as dispensas coletivas e o PDV
– Estabelece mecanismos processuais que, em concreto, impossibilita a anulação das cláusulas de negociação coletiva por

sinditestrs

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *